sábado

Lord Acton: um verdadeiro defensor da verdadeira liberdade


“... a liberdade não é o poder de fazer o que queremos, mas o direito de ser capaz de fazer o que devemos”. (Lord Acton)

Da Liberdade


Antes mesmo de falar sobre liberdade pessoal, é preciso pensar a liberdade, o que ela é. Assim como o eminente historiador inglês John Emerich Edward Dalberg Acton (Lord Acton), diversos pensadores, filósofos e políticos foram militantes da causa da liberdade no século XVIII e XIX. Um conjunto de ensaios, trabalhos, teses, manifestos e cartas foram escritas em defesa dos direitos individuais contra o avanço dos poderes estatais e do arbítrio das massas. Dizia o referido professor régio de história moderna da Universidade de Cambridge que a liberdade não é um mero arranjo social recomendado pela conveniência, mas é, ao contrário, “o mais alto ideal do homem, o reflexo de sua divindade”.

Por séculos o mundo tem se dividido por conceitos rivais de liberdade. Na prática faz muita diferença se a liberdade consiste em fazer aquilo que se quer ou aquilo que deva ser feito. Nesse sentido, podemos entender a liberdade em dois planos: o da natureza e o das pessoas. No plano natural a liberdade é entendida como a ausência de constrangimento físico, sem o que não seria possível que as coisas realizassem o que é da sua essência. Assim,

“um balão de gás sobe livremente quando nada o obstrui; uma pedra cai livremente quando nada a impede. Um cachorro é livre se lhe é tirada a coleira e pode seguir os seus impulsos”.

No plano das pessoas, a liberdade requer, além da ausência de constrangimento físico, a ausência de compulsão psicológica. Nesse sentido, a liberdade estaria limitada até o ponto em que o instinto ou a paixão compele o indivíduo a agir de certa forma. Assim é que as pessoas podem ser levadas a fazer ou deixar de fazer algo motivadas por uma recompensa ou pelo medo da dor, do castigo. Trata-se, diferente do que se pode imaginar, de o ser humano ser refém dos seus instintos naturais ou de seus apetites. “Incapazes de fugir do determinismo do instinto ou do apetite, podemos ser forçados a agir por ameaças e promessas”.

Alguns, precocemente, poderiam dizer que a liberdade significa poder agir segundo os seus próprios instintos sem que haja empecilhos, impedimentos. Trata-se de uma concepção apenas externa da liberdade, vale dizer, natural. O homem que é incapaz de fazer escolhas, deixando-se levar pelos instintos e apetites, na verdade, não é um homem livre, pois prisioneiro de seus próprios impulsos. Por outro lado, se as escolhas fossem tomadas prescindindo de motivos, se fossem completamente arbitrárias, perderiam completamente o sentido, em última análise, a liberdade seria impossível. É por esse motivo que somos educados a escolher o que é digno e bom de ser escolhido. Não se trata de impor escolhas, mas de prestigiar aquelas das quais decorra a paz social e o crescimento espiritual de quem as faz, ademais se consinto com a atração (a uma ou outra escolha) é porque a minha razão a aprova. Michael Polanyi (1981-1976), o grande filósofo da ciência, diz:

“Ao passo que a compulsão pela força ou pela obsessão neurótica exclui a responsabilidade, a compulsão por um propósito universal estabelece a responsabilidade (...) a liberdade da pessoa subjetiva fazer o que lhe agrada é regida pela liberdade da pessoa responsável agir como deve”.


Da Liberdade Pessoal


Até aqui pensamos sobre a liberdade em si mesma até chegarmos ao indivíduo livre. Nada tecemos acerca da sociedade livre. Só podemos conceber uma sociedade livre se os indivíduos que a compõe são dotados de direitos inalienáveis. Ora, se as pessoas fossem dotadas apenas de direitos conferidos pelo Estado ou pela sociedade, eles poderiam ser retirados pelo poder humano e o caminho estaria aberto para a tirania, o totalitarismo, o qual imporia os interesses de uma determinada pessoa ou grupo ao restante da sociedade.

Se por um lado há que se reconhecer a existência de direitos inalienáveis (naturais), por outro, é condição para um povo livre a participação de seus membros na elaboração das leis que os regem. Há que se possibilitar aos membros de uma sociedade a possibilidade de questionar as leis (atos de comando) que limitam as suas ações, o seu progresso. A lei, na sua mais profunda finalidade, consiste mais em limitar o arbítrio e furor do Estado do que cercear a liberdade individual. Posto isto, não se fale que, numa defesa puramente política de liberdade, é dado aos indivíduos, enquanto sociedade constituída, o direito de instituir a escravidão ou adotar uma forma de governo totalitária, ou seja, a liberdade duradoura requer o consenso, requer a democracia, mas ela deve estar baseada numa verdade transcendente, vale dizer, em direitos indeclináveis e inalienáveis, direitos que nem mesmo aos próprios indivíduos é dado deletar.

O homem que vive só está condenado a uma espécie de prisão. A convivência, a vida em sociedade é mais do que uma expressão da liberdade, de uma escolha, mas está dentro mesmo da sua essência, da sua razão de ser.

Há quem entenda que a vida em sociedade nos impõe determinadas regras de convívio, muitas vezes limitando nossa liberdade, sempre tendo como preocupação maior a manutenção do equilíbrio do corpo social e o respeito ao direito de nosso semelhante, dado que infelizmente o ser humano é dotado de momentos de insensatez e, em conseqüência, pode se tornar um desagregador dos interesses e da paz social por meio de atitudes funestas. Entendemos, porém, diferente. A vida em sociedade decorre da liberdade, pois não há liberdade na solidão. Ora, se não há liberdade, como no caso de governos totalitários, então não há que se falar em sociedade, mas de caos social.

Um dos benefícios do treinamento e da disciplina é aumentar nossa zona de liberdade interna. Pela educação e exercício desenvolvemos a motivação e o caráter que nos permitem resistir as pressões físicas e, especialmente, às psicológicas. Alguns aprendem a passar longos períodos sem dormir, a abster-se de comida, a suportar intensa dor física sem abandonar a sua resolução. Tais pessoas têm uma liberdade maior do que as outras, pois possuem uma maior zona interna de autodeterminação.

Não nos parece correta a afirmação, portanto, de que as regras de convívio que se preocupam com a manutenção do equilíbrio do corpo social limitam a liberdade, pois se o objetivo das normas é desestimular as condutas que levam a desarmonia social, então, o que temos, em primeiro lugar, são indivíduos levados por instintos, impulsos, utilitarismos ou prazeres individuais pequenos e não homens livres, e se não são livres não há liberdade a ser limitada ou mitigada, e, em segundo lugar, as regras não constituem um obstáculo, uma imposição física a ação, mas em uma desaprovação a ela, que se consumada pode desencadear conseqüências jurídicas. Assim, não se trata de limitação a liberdade, natural ou pessoal, mas de assegurá-la aos indivíduos e, por conseguinte, assegurar a própria sociedade.

A norma, em si mesma, não constitui uma objeção física a conduta. Assim, a norma não limita a liberdade natural, vale dizer, aquela que se entende pela ausência de constrangimento físico. No que diz respeito a liberdade no seu plano mais alto, o pessoal, a norma consiste na reprovação, que pode ser moral ou não, a determinada(s) conduta(s). Nesse sentido, ela não impõe, no seu mais estrito entendimento, a escolha por uma ou outra conduta, posto que o indivíduo pode consentir com a reprovação ou não. A norma não limita a liberdade de escolha, mas, em última análise, revela o que é bom ou digno de ser escolhido, ou melhor, o que não é. Traduz-se, como se vê, numa reprovação.

As condutas reprovadas pelas normas elaboradas em uma sociedade são aquelas que derivam de um cerceamento da própria liberdade, seja porque o indivíduo que as adota fora levado por impulso, seja porque fora arbitrário e a escolha por elas tenha prescindido de motivos sociais.

O objetivo do direito é a garantia da liberdade mesmo quando ele prevê, para quem o desrespeita, uma pena “privativa de liberdade”. A restrição a liberdade, a que se refere principalmente o direito penal, é a liberdade natural e não pessoal, posto que não se é retirado do indivíduo a liberdade de escolha, mas, por um lapso de tempo determinado, é colocado ao indivíduo constrangimentos físicos a certas condutas que o indivíduo pretenda adotar por escolha ou não. A liberdade, com o cárcere, é, assim, mitigada ou limitada, mas não totalmente retirada do indivíduo.

Arnaldo Quirino de Almeida entende que a liberdade pessoal sempre foi um dos atributos mais importantes do Homem. O autor considera que toda a formação da Ciência do Direito sempre teve como uma de suas bases a proteção da liberdade pessoal. “É da natureza do homem nascer livre”, diz. Todavia, observa o professor Quirino, essa liberdade parece não ser absoluta, já que como membro de uma sociedade civilizada é natural que a mesma seja restringida em determinadas situações, previamente firmadas pelo corpo social; essa restrição a liberdade pessoal é um mau necessário para que haja equilíbrio e respeito aos direitos de cada componente da sociedade considerada, e assim, impossibilitando que fiquemos a mercê de arbitrariedades ou escravos do mais forte.

Entendemos, com todo o respeito ao nobre professor, que a liberdade pessoal não fica restringida em nenhuma situação nas sociedades. No que diz respeito ao homem, que é um ser racional, aquele que tem as suas ações orientadas pelo impulso ou pelo utilitarismo não é livre, mas prisioneiro dos seus instintos primitivos ou de suas ambições. Assim, o que há é a proteção dos indivíduos contra o arbítrio que encontra espaço para se manifestar na liberdade natural e não pessoal. A restrição a liberdade pessoal só existe no totalitarismo, no despotismo, povos nos quais não há sociedade, mas caos social e medo.

A filosofia de Hayek se fundamenta na consideração da liberdade como entidade inseparável da responsabilidade.

“Liberdade não apenas significa que o indivíduo tem a oportunidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de escolher. Também significa que deve arcar com as conseqüências de suas ações, pelas quais será louvado ou criticado”.

Vemos que o pensamento de Hayek vai além da consideração pequena de liberdade, na qual se incluiria a liberdade de agir sem limites, fazendo incluir na sua essência a noção de responsabilidade, portanto, de razão. Este elemento na liberdade dá razão a separação entre a liberdade pessoal, pensada, refletida e entendida como condutas que decorrem de escolhas motivadas pelo digno, pelo bom, diferente da liberdade natural, entendida como condutas que derivam do instinto, da impulsão, do irracional ou da escolhas motivadas pelo não digno, pelo mau.

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