quinta-feira

Política Criminal no Brasil é sinônimo de suavização de penas

Creio que o esforço em se suavizar a aplicação das penas, no Brasil, está beirando as raias da irresponsabilidade. E isso não se revela apenas na defesa de leis que abrandem a execução das penas. O pensamento jurídico está consolidando uma perigosa resistência a punição como meio apto a evitar condutas criminosas. O mesmo tipo de pensamento diz preferir escolas a penitenciárias, como se houvesse entre os dois estabelecimentos alguma disputa de espaço. Esse pensamento, não tão recente como se imagina, tem deturpado até mesmo as construções teóricas e desafiado a doutrina penal.
Vejamos, por exemplo, como a Política Criminal, tomada como sinônimo de suaviação de penas, espalha seu sociologismo basbaque, envenenando toda uma robusta teoria penal.
Imaginem a seguinte situação: um sujeito furta um determinado bem e depois o vende, como se fosse seu, a um terceiro de boa fé. Esse sujeito cometeu algum crime? Furto (art. 155 do CP) e estelionato (art 171, §2º, I do CP), certo? Errado.
A grande maioria da doutrina, acompanhada pela jurisprudência dominante, entende que há um único crime, o de furto. José Frederico Marques diz: "a venda do objeto do furto por quem o praticou não constitui crime de estelionato, sendo a simples seqüência normal do primitivo delito".
José Frederico Marques pode pensar o que bem entender, só não pode fazer tal afirmação sem mencionar que ela não encontra sustento na teoria penal. Vejamos. Para que o crime de estelionato fosse absorvido pelo primeiro, teríamos que considerar a ocorrência de postfactum não punível, previsto no princípio da consunção. O fato posterior não punível é a conduta de menor gravidade, praticada após outra, de maior gravidade, contra o mesmo bem jurídico e o mesmo sujeito, para utilização daquele fato de maior gravidade, e deste tirar proveito, mas sem causar outra ofensa.
Ora, como defender a ocorrência de postfactum não punível nesse caso? Trata-se, não se nega, de crimes conexos, em que se vislumbra uma relação de causalidade (meio e fim). Ocorre que os bens jurídicos e os sujeitos passivos dos delitos são diversos. No furto, os objetos jurídicos tutelados são a posse e a propriedade do bem subtraído do seu titular. No estelionato, a posse e a propriedade do dinheiro pago pelo adquirente de boa fé. Ademais, o postfactum não punível exige que a conduta posterior seja menos grave que a primária. Ocorre que o estelionato é apenado, em nosso CP, mais severamente que o furto. "Como pode o delito mais grave ser absorvido pelo de menor gravidade", questiona, com toda razão, o professor Damásio de Jesus. Mesmo o inverso não poderia prosperar, ou seja, a ocorrência de antefactum impunível, uma vez que são diversos os sujeitos passivos dos delitos.
Não há justificativa que explique a não ocorrência de concurso de delitos senão o sociologismo bsbaque que se apodera das mentes de juristas e doutrinadores de todo o país, e que levanta a indesejável - e descolada da realidade - bandeira da suavização das normas penais e da execução penal. A tal ponto se rasgou a toria do conflito aparente de normas, que a Jurisprudência recorre ao primeiro sujeito passivo a recorrer à Polícia para determinar por qual crime o sujeito será processado. Se o primeiro a recorrer é o proprietário da coisa furtada, será processado por furto. Se o primeiro a recorrer for o adquirente de boa fé (após, é claro, restituir a coisa), será processado por estelionato. A imputação penal virá, assim, um jogo de oportunidade. O mesmo fato dando lugar ora a um delito, ora a outro.
Eis uma das conseqüências do pensamento que faz da vítima o agressor e do agressor a vítima. Eis o pensamento que, se não determina, colabora com a crescente impunidade no Brasil. É preciso que os operadores do direito se debrucem sobre essas questões e trabalhem por uma reversão.

Um comentário:

Unknown disse...

em que dia , mes e ano voce fez este post? porque daqui não dá para ver