quinta-feira

Os trechos mais importantes

“Atravessamos um momento paradoxal: de aparente desconexão entre o que é o sentimento da opinião pública e o discurso eleitoral rotineiro; de tanta desfaçatez dos que ocupam o poder e de tanta informação sobre a corrupção e os desmandos de quem deveria dar as pautas de comportamento pensando mais na Nação que em seus umbigos e nada mais faz do que se jactar de grandezas inexistentes. (...)

Para que não pairem dúvidas: é do Presidente e de seu partido (ou deveria dizer ex-partido?) que falo acima, pois são eles, inquestionavelmente, os responsáveis por deixar que os piores setores da política ocupem a cena principal, expondo o país às misérias a que todos assistimos indignados. (...)

Pagar mensalão é crime e como crime deve ser tratado. Pagar mensalão para deputados, comprar seus votos, não é igual sequer a outra transgressão, a de não declarar dinheiro obtido para a campanha eleitoral, o "caixa dois". A razão é simples: no caso do caixa dois, a fonte do dinheiro usado geralmente é privada, embora nem sempre o seja, e o objetivo é ajudar algum candidato individual em sua eleição. O candidato e seus financiadores devem responder por essa ilicitude eleitoral. No caso do mensalão a fonte foi pública; é roubo do dinheiro do povo, ainda que empréstimos fictícios de bancos privados tenham sido usados para encobrir esse fato. Os arrecadadores obedeciam a diretrizes de um partido, com a cumplicidade de partes da administração. A prática deu-se sob o olhar benevolente de ministros e mesmo com a cumplicidade de alguns deles (refiro-me à acusação do Procurador Geral da República). O próprio Presidente, que é responsável pelos ministros, não tendo atuado para demiti-los nem depois do fato sabido, é passível de crime de responsabilidade. (...)

Pois bem, nós do PSDB não fomos suficientemente firmes na denúncia política de todo esse descalabro no momento adequado. Não será agora, durante a campanha eleitoral, que conseguiremos despertar a população. Mas, para nos diferenciarmos da podridão reinante, temos a obrigação moral de não calar. (...)

Erramos no início, quando quisemos tapar o sol com a peneira no caso do senador Azeredo. Compreendo as razões: ele é pessoalmente decente; tudo se passou durante a campanha para sua reeleição como governador, que afinal ele perdeu. Mesmo assim, calamos muito tempo e sequer dissemos o que sabemos: entre os responsáveis pelas finanças de campanha do então governador estava seu vice, hoje ministro do Presidente Lula. Nem isso dissemos com força! Mas não por isso podemos calar diante do descalabro. (...)

Para que o PSDB se justifique perante o eleitorado como uma força renovadora ele tem que se distinguir. A podridão que encobre "a política" está nos transformando em vultos. Precisamos reganhar nossa cara. (...)Nosso candidato à Presidência tem as mãos limpas. Tem história de seriedade. Por que não bradar isso com força ? Por que não fazer o contraponto com o outro lado. Nada a temer nem a esconder. Geraldo Alckmim pode dizer o que Lula não pode porque sua história não passa por acusações de suborno a prefeituras. Ele não tem que explicar, como Lula, por que tendo tanto dinheiro vivo (e quanto!), não paga dívidas. Por que ora diz nunca ter ouvido falar de sua dívida no partido, ora que a discutiu, mas não a reconhece. Enfim: faltam condições morais a um e sobram a outro.(...)

Em São Paulo, para cingir-me ao estado que foi governado por Alckmin, as taxas de homicídio e latrocínio caíram fortemente graças à ação da polícia. Nunca se prendeu tanto, a um ponto tal que a cada mês há mais 800 presos, descontando-se os que são liberados. Para atendê-los seria preciso construir uma penitenciária por mês! Resultado: o sistema prisional está abarrotado e, há massa de presos, criando um caldo de cultura para a criminalidade e deixando ao PCC espaço para demagogia em nome da melhoria de condições de vida dos prisioneiros. (...)

É preciso dizer com todas as letras e toda a força que a privatização da Telebrás foi um sucesso absoluto, que o preço pago pelo que o Estado possuía dela (20% do capital total, embora de controle) talvez não corresponda hoje ao valor total das empresas de telecomunicações e que o povo se beneficiou enormemente, dispondo o país de um moderno sistema de comunicações, sem o qual não haveria internet nem modernização produtiva. E dizer também que no setor elétrico houve fracasso: privatizamos apenas a distribuição de energia e a Eletrosul, permanecendo nas mãos do governo Furnas, Chesf, Eletronorte e, naturalmente, Itaipu, que por seu caráter especial não deve mesmo ser privatizada. Resultado: é só ver as estatísticas sobre investimentos no setor (que não dispõe de um modelo claro e competente, indutor de parcerias com o setor privado) para entender porque vira-e-mexe fala-se de apagão. Não o de 2001, conseqüência da má gerência e da falta das águas, mas da falta de investimentos para geração nova de energia. E a privatização da Rede Ferroviária Nacional, acaso não foi um êxito? (...)

Por fim, para não me alongar mais, chega de dizer bobagens sobre a globalização, como se fosse culpada de nossa própria incapacidade. Chega de agir na prática como se acordos comerciais, tipo ALCA, fossem projetos imperialistas de anexação de território. São sim projetos de grupos de poder e interesse, diante dos quais temos de prezar e defender os nossos, e não enfiar a cabeça na areia e imaginar que na escuridão há "uma outra política", na verdade de um antiquado "terceiro-mundismo". O PSDB precisa assumir sua contemporaneidade. (...)

Em suma, se quisermos exercer uma liderança renovadora precisamos manter os antigos compromissos democráticos, radicalizando-os, através da reforma política com a introdução do voto distrital e da fidelidade partidária; precisamos reatar os fios entre o partido e a sociedade, buscar o diálogo com os sindicatos e movimentos populares (agora mais fácil pela quebra do hegemonismo petista). A visão moderna de democracia impõe a participação ampliada da cidadania no processo deliberativo, inclusive senão que principalmente, na rotina partidária, revigorando, as prévias para a seleção dos candidatos. (...)

Precisamos assumir que, no contexto atual, ser progressista é lutar para democratizar a sociedade, sustentar políticas que reduzam a pobreza até sua eliminação, gerando empregos sem contentar-nos com o necessário assistencialismo e sem ficarmos embaraçados com a forma capitalista do crescimento da economia, à espera do novo Godot, a "revolução salvadora". Esta não está em nosso horizonte histórico, embora o ideal da Justiça possa e deva continuar a motivar nossos corações a lutar cada vez mais pela redução das desigualdades sociais.
Fernando Henrique Cardoso "

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