É carnaval. Tô fora. Prefiro a costureira e o namorado dela
Não gosto de carnaval. Pronto. Visto a roupagem reacionária e conservadora. Cada um na sua, certo? Dizem por aí que o carnaval é o símbolo do Brasil, assim como o futebol e Carmem Miranda. Detesto símbolos. Eles insistem em querer nos definir. Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) também não gostava de símbolos. Preferia coisa singela, pequenas raspas de vida. Segue poesia do autor sobre o assunto. Entre contemplar o sol ou a lua, ficava com a costureira e o namorado dela.
Símbolo
Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Símbolos? Não quero símbolos...
Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —
Que o namorado voltasse para a costureira.
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