Da lesão corporal privilegiada -
Art. 129 (...) § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Essas circunstâncias privilegiadoras beneficiam desde a lesão leve até a lesão seguida de morte. Tem natureza jurídica de causa especial de diminuição de pena. Isso porque, em regra, o crime privilegiado impõe a cominação de pena abstrata, o que não é o caso.
Como as hipóteses de privilégio são de natureza subjetiva, vale dizer, de caráter pessoal, não se comunicam aos demais coautores e partícipes, nos temos do art. 30 – CP: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
O juiz tem o dever de diminuir a pena e não a mera possibilidade. A possibilidade está centrada no quanto da diminuição, que deve ser devidamente motivado, sob pena de nulidade.
As hipóteses de privilégio estão ligadas aos motivos do crime. Motivo é o antecedente causal do crime, é a força que põe em movimento o querer. O motivo tem relevância porque o direito penal é um ramo do direito bastante impregnado pela moral e pelos costumes da sociedade cujos bens tutela.
Motivo de relevante valor social é o motivo não egoístico, revelado no crime praticado em “benefício da sociedade”. Exemplo: matar o estuprador que aterroriza uma pequena cidade.
Motivo de relevante valor moral é o motivo egoístico, mas de elevada nobreza e altruísmo. Exemplo: a eutanásia, o pai que mata o estuprador da filha etc.
As hipóteses de privilégio não se confundem com as atenuantes do art. 65, inciso III, “a”. Sobre a diferença já se pronunciou o STF nos seguintes termos:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR MORAL. QUESITOS. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A causa especial de diminuição de pena do § 1º do art. 121 não se confunde com a atenuante genérica da alínea "a" do inciso III do art. 65 do Código Penal. 2. A incidência da causa especial de diminuição de pena do motivo de relevante valor moral depende da prova de que o agente atuou no calor dos fatos, impulsionado pela motivação relevante. A atenuante incide, residualmente, naqueles casos em que, comprovado o motivo de relevante valor moral, não se pode afirmar que a conduta do agente seja fruto do instante dos acontecimentos. 3. Não há que se falar em obscuridade ou contradição, se os quesitos foram formulados em proposições simples e distintas (inciso IV do art. 484 do CPP). 4. Ordem denegada. (HC 89814, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 18/03/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-02 PP-00279)
Domínio (e não influência) de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação (e não ato injusto) da vítima (cuidado com isso porque existe atenuante parecida, mas com peculiaridades que a distinguem da presente minorante, como veremos) consagra uma concepção subjetivista desta minorante, ligada que está ao juízo de reprovabilidade da conduta: a culpabilidade (quanto menor a exigibilidade de conduta diversa, menor a culpabilidade).
No caso, o legislador previu uma hipótese legal de menor reprovabilidade da conduta ou de reduzido grau de culpabilidade. Penso que o mesmo se aplica às demais hipóteses (relevante valor social e moral, já que sobre esses motivos também incide o juízo de reprovação da conduta e, pois, o juízo de culpabilidade, calcado na maior ou menor exigência de conduta diversa).
Violenta emoção é emoção extrema, intensa, capaz de alterar o estado de ânimo do agente a ponto de tirar-lhe a seriedade e isenção que ordinariamente possui. Injusta provocação é o comportamento apto a desencadear a violenta emoção. Há, pois, uma ligação diretamente proporcional entre a injusta provocação e a violenta emoção. A injusta provocação não precisa ser dolosa, basta que o agente se sinta injustamente provocado.
É necessária a reação imediata. A reação premeditada afasta o privilégio. A injusta provocação não precisa ser imediatamente antecedente ao crime, basta que o crime tenha sido cometido logo em seguida ao conhecimento da provocação pelo agente.
Não confundir o privilégio com a atenuante genérica do art. 65, inciso III, “c” do CP:
Privilégio | Atenuante |
Lesão Corporal dolosa | Qualquer crime |
Domínio de violenta emoção | Influência de violenta emoção |
Injusta provocação da vítima | Ato injusto da vítima |
Reação imediata: “logo em seguida” | Em qualquer momento |
Subsiste o privilégio se o agente comete erro na execução (aberratio ictus). O privilégio é plenamente compatível com o dolo eventual.